Thursday, September 27, 2007

Texto do almoço debate de dia 29/9 sobre O Caminho de Santiago








Experiências
psico somáticas
do Caminho de Santiago de Compostela


Resumo da intervenção proferida no almoço debate da Tertúlia do Bar do Além,




em Alenquer em 29 de Setembro de 2007





Se tiver que resumir toda a experiência psico somática de 8 dias de peregrinaçao, pelo caminho francês a Santiago de Compostela. pela Galiza, seria através de uma tosca seta amarela pintada num muro, ou pedra de xisto negro, ou no tronco de uma arvore, ou desenhada no chão. Porquê?

Por muitas razões. Por algumas impressões, e sensações.
Porque é uma via para o conhecimento, muito mais do que para um simples saber. Porque este caminho que reflecte na Terra, o das estrelas da Via Lactea, induz às mais profundas reflexões, que podem remontar a reminescências de povos da Atlântida, aos Gigantes do Genesis biblico, como aventa Louis Charpentier 8Santiagod e Compostela Enigma e Tradição, tradução da edicção francesa Laffont, 1971).

Primeiro, porque a seta não é mais do que uma concha vieira estilizada, símbolo do Caminho, hoje de Santiago, na sua componente proto cristã, e proto romana de Finsterra ou Finisterra. Prova de chegada ao fim da Terra conhecida até ao século XIV, e contraprova no regresso de ter atingido a meta proposta. Simbolo material tambem da civilizaçao costeira dos concheiros, sendo a concha simultanemente utensilio alimentar como colher, e prato do peregrino, malga de sopas, ou concha de agua de fontes de caminho. Não esquecer também o simbolismo mitológico da concha, fonte de vida, oriunda do Mar, caso do nascimento de Venus do quadro de Boticelli, ou ainda da concha baptismal, do renascimento, como quando São João Bpatista (irmão se Sao Tiago) baptizou Cristo nas margens do Jordão.




Segundo, por que pela sua cor amarela, bem identifica a rota solar milenaria dos povos da Europa em busca do mistério do Sol, que naturalmente não permitiam encontrar o local do seu nascimento a leste, pois a oriente a alvorada marca precisamente o início do periplo solar diurno. Ora a busca do Sol (e do ouro da sabedoria) só se poderia fazer para ocidente, buscando-o a poente...onde afinal o encontravam a mergulhar nas aguas do Atlantico. Isto obviamente quando se entendia que era ao sol que andava a volta da Terra... ver http://nautilus.fis.uc.pt/astro/hu/movi/corpo.html

Terceiro, porque este símbolo, triangular permite transformar qualquer pedra bruta em pedra cúbica, em pedra filosofal, de simbolismo tangivel a exprimir o domínio da mente sobre a matéria. A seta inserida numa pedra ou arvore transfigura-a em sinal. E não sera que a seta não é equiparável a uma estlizada pata de ganso, também com três veios, de acordo com a tradição celta, o mensageiro do outro mundo, e portanto situar-se na seta uma indicaçao de um caminho da morte inciático, isto é, da morte desta vida para ganhar um outro renascimento?


Assim, a seta, e amarela, é bem mais significante que apenas uma direcção. Sinaliza bem mais do que o destino para que aponta, pois evidencia e cataliza uma percepção, transmite uma verdade e um segredo. A seta é a simbiose elucidativa para quem procura um caminho espiritual, através de uma caminhada física, possibilitando assim e simultaneamente, a peregrinção interior, e a exterior. Isto é a dimensão e valência esotérica, e a exotérica. A seta é, e revela aquele iniciático e bom caminho. nem uma rota turística, nem uma senda de penitentes.



Desde modo, para quem tem olhos que não apenas vêm, mas que também observam, e que não apenas observam, mas também decifram, a seta amarela seja virada para a esquerda, seja voltada para a direita, ou mesmo empinada, e na vertical, só tem um significado último: apontar o caminho certo, para ocidente, para o poente, para o âmago da concha vieira, que nos aparece ao longo do caminho de Santiago em três posições distintas, das quais uma incorrecta, ou meramente profana.


A concha vieira, na vertical, com o seu epicentro voltado para cima, é a que está a encimar os marcos kilométricos, como representa a foto. Normalmente está esculpida em baixo relevo em granito, e de forma impressiva visa fálicamente, assegurar a justeza do caminho. É uma afirmação de presença confirmativa de que se está no caminho (sagrado) certo, que ainda falta percorrer uma determinada distancia kilométrica nela indicada, e simultanemante encerra um confiante símbolo protector do peregrino. Note-se que a distância indicada em Km é sempre reportada ao caminho que falta percorrer até Santiago de Compostela.





A concha horizontal com o seu epicentro à esquerda, em design simbólico correcto, representa tambem a caminhada para o ocidente, e evidencia a pluralidade de caminhos (francês, português, primitivo, etc) que permitem atingir esse objectivos pelos raios estilizados que equivalem às suas nervuras. Trata-se de um símbolo feminio de taça, recipiendiária, que indica a via para um acolhimento dos que buscam a verdade. Pode ser tambem usada como sinalização em vez das setas que esta estilização da concha natural comporta, e assim com o epicentro à esquerda se essa é a direcção correcta, e com ele para a direita se for este o rumo a tomar. (na foto esta concha aponta o caminho para ocidente, para a esquerda, e em sentido convergente, qualquer que seja a versão do caminho a percorrer).




A terceira concha que nos aparece ao caminho, é uma versão monstruosa, de mau gosto, e de insensibilidade simbólica, e consiste no prolongamente fálico na nervura média central da concha, de modo a poder evidenciar uma seta que aponta para o exterior da concha, e não para o seu interior, como esotericamente é a mensagem correcta no modelo acima descrito. Nada significa, senão um exercício profano de design incipiente, feito em prancheta, em abstracto, e revelador de ignorância cultural. (na foto esta concha pretende apontar o caminho para a direita).

Tudo isto para dizer que o Caminho de Santiago tem uma dimensão holística e uma origem proto-cristã, multimilenar, de natureza universal e iniciática, e transcende em muito o aspecto religioso, e ainda mais a natureza cristã e católica da motivação obvia de quem busca o túmulo de São Tiago (Santiago, St Jacques ou Saint James, em castelhano ou gallego, francês e inglês, e Jacobo em latim, e Giacomo em italiano), o apóstolo de Cristo, cavaleiro mata mouros também, irmão de São João, decapitado por ordem de Herodes no ano de 44, e depois levado de barca para um local que se veio a denominar de Compostela, (campo da estela ou do túmulo? campo de estrelas?) pelos discipulos deste evangelizador, onde foi sepultado. Numa palavra: já Sao Tiago para evangelizar a Ibéria, percorrera o caminho (o primitivo?) antes mesmo dele se chamar de Santiago...seguiu na terra a projecção da via lactea do céu, e assim parece ficar tudo dito.


Mas não fica. O caminho de São Tiago tem múltiplas dimensões secretas e misteriosas, por exemplo porque é que na XVII carta do Tarot da Estrela parece representada a via láctea, elemento fulcral do caminho? E porque é que no túmulo de Cralso MAgno, em Aix La chapelle, um baixo relevo espõe a revelação que lhe é feita pela representaçao da via lactea, do Caminho de Santiago?


Este facto - a sepultura de um apóstlo, veio a justificar a declaraçao de Santiago de Compostela (conjuntamente com Roma ) como as únicas cidades santas da Europa! Também este facto veio a determinar que no convento de Samos, O futuro Rei castelhano Alfonso II tivese sido educado e preparado para ser um dos grandes protectores e difusores do sepulcro de Santiago (redescoberto no final do século VIII), acção prosseguida entre outros, por Alfonso IX, falecido em Sarria em 1230, e peregrino de Compostela. Entretanto, em 1170 fora fundada a Ordem de Santiago (cruz e espada), e a que se juntou também a Ordem de Malta (antes Ordem de São João de Jerusalém) para protecção dos peregrinos no Caminho. Por outro lado a Oriente desenvolviam-se as Cruzadas, e a afirmação da Ordem do Templo (templários) para proteccção dos peregrinos.




Por isso anotam-se...agora, também alguns apontamentos da dimensão universal de Santiago, e que remontam a druidas, pagãos, celtas, pedreiros, monges, cavaleiros, construtores de catedrais, peregrinos cristãos, e de outras fés, crentes e não crentes:

No alto da cúpula do transepto da Catedral de Santiago o Olho de Deus inserido num triângulo, idêntico ao mesmo símbolo maçónico...do Grande Arquitecto do Universo, neste mesmo sentido, logo à entrada da Cidade a referencia estatuária ao peregrino Templario, guardião do caminho, mas com a cruz de Malta (?) e não com a cruz de espada de Santiago, sequer a cruz Templária.... Porém, o certo é que também guardaram o caminho de Santiago.

Mas não se pense que estes elementos sintomáticos são todos pertença do passado. Contemporaneamente há simbolos maçónicos feitos por peregrinos, e inseridos em varios pontos do caminho, como é exemplo do esquadro e compasso, que consta no painel de indicação de uma ciclovia, junto a roda dianteira da estilizada bicicleta (ver foto). E será que a última étape do caminho francês, tem mesmo o número 33, o mesmo do ultimo grau do Rito Escocês Antigo e Aceite da Maçonaria Universal? e Tiago...não foi também Mestre Tiago, um dos muitos ajudantes de Hiram Abiff, arquitecto contrato por Hiram rei de Tiro, apedido do reai Salomão para construir o Templo em Jerusalem? e Tiagos não eram os membros de uma confraria de pedreitos iniciados?
E que dizer do princípio ternário sempre presente no caminheiro, caminhante ou peregrino de Santiago. Não esta sempre em permanente articulação do seu corpo (os pés, e em geral todo o esforço físico) com o seu ânimo e determinação ( a alma ou coração) e num quadro de elevação do espírito à comunhão com o Universal?
E o facto demonstrativo afinal, da universalidade do Caminho de Santiago, está na própria emissão do certificado do peregrino, nos respectivos serviços, que nos apõem o ultimo carimbo na credencial, e verificam que efectivamente os ultimos 100km de caminho foram percorridos a pé...aqui é necessario preencher um questionário, e explicitar se a razão da peregrinaçao se deveu 1) a motivos religiosos, ou 2) religiosos e outros motivos, ou a 3) motivos não religiosos. Será surpresa dizer-se que as cruzes (no dia em que chegamos) em motivos religiosos são minoritárais, largamente minoritárias, avultando as motivações não religiosas?
Assim, o Caminho de Santiago é um percurso milenar, contrário ao sentido de rotação e de translação da terra em volta do Sol, antídoto à força centripeta, centrífugo, que se traduz numa viagem iniciática ao universo, numa peregrinação ao interior de nós mesmos, de reencontro com as perguntas ancestrais de quem somos, donde vimos e para onde vamos. Caminhando sozinho, não se sente o iniciando desamcompanhado, quer porque está em sintonia com o universo e o cosmos, de que faz parte, e que reflecte, e é dele reflexo, quer porque sente nos seus passos um solo pisado desde ha milhares de anos, por milhões de outros passos de outros peregrinos, que utilizaram a mesma rota do sol, o mesmo caminho de Santiago. Que repetem no solo a via lactea celeste. Está pois o peregrino acompanhado, e entre espíritos.

Fazer o mítico e místico caminho de Santiago, a pé, é decididamente uma experiência metafísica, para a qual só se deve aventurar quem estiver preparado, e estará preparado espiritualmente, todo aquele, e sempre, em algum momento da sua vida, se sentir a sua alma solicitar-lhe. Acrescente-se, que como experiência iniciática deve o caminho de Santiago ser percorrido em peregrinação, não em romaria, nem em excursão, nem em procissão. As oportunidades de meditação individual são constantes, e estas, sem espartilho de canones de rezas, ou modelos pre fixados, são mais dificeis, mas mais livres, abrangentes e promissoras. Só percorrendo o Caminho, é que se pode compreender que nós não fazemos o caminho, o Caminho é que nos faz, ele é que nos encaminha....

São raros os grupos numerosos, e se como na foto se vislumbram, são muitas vezes escolares, enquadrados por professores em experiencia pedagógica. Para os autênticos peregrinos não se trata pois de uma visita turistica de grupo. Nem de um martírio, nem de um simples cumprimento (pagamento) de promessa. Santiago deve ser pura e simplesmente a resposta a um chamamento ou motivação interior, que se encontra no silêncio da caminhada a solo...individual. Sózinho, mas não só.










Note-se ainda, que há peregrinos em cadeira de rodas, como a emocionante jovem korena, altamente deficiente, que a empurrava, assistida por um familiar, (ver ao lado foto) num esforço impressivo. Como também há peregrinos em bicicleta (estes para o serem reconhecidos têm de percorrer 200Km) e ainda há peregrinos a cavalo, cujos percursos nem sempre são coincidentes com os andarilhos pedestres.
Por mim, decidi ir a Santiago e ser romeiro, (mas não em rumo para Roma) porque surgiu uma oportunidade que me permitiu materializar uma intenção que já há longos anos vinha a alimentar. Precisava de falar comigo, ...eu e eu, tinhamos mesmo de falar um com o outro, e para tanto, o local e o tempo, foi em Setembro de 2007, e no caminho de Santiago.







Segui a pé, dia após dia, incluindo o do equinócio do outono, procurei por setas amarelas, e segui conchas, atravessei pontes, rios e ribeiros, passei por abrigos, quintas, fontes e fontanários, capelas, igrejas, casas, espigueiros, tabernas, albergues, calçadas, passei por pontes e calçadas romanas, sempre para Ocidente, e reparei que na perseguição do Sol, não havia caminho sinalizado de regresso. De facto, não há volta do Caminho de Santiago, pois ninguém volta o mesmo. Quem regressa volta diferente. E não volta pelos mesmos passos.



E segui os ultimos 152 km da peregrinação, desde a origem em O Cebreiro, depois Tricastela, seguindo a via pedestre por San Xil para Sarria, Porto Marin, Palas de Rey, Melide, Arzua, Pino, Monte do Gozo, e Santiago. Provavelmente cerca de 160km reais a pé. O Primeiro selo ou carimbo na credencial, foi a 17 de Setembro, último a 24, já no termo da Catedral de Santiago. Ficou em falta a ida a Finisterra, a Noya, possivel lugar de desembarque de um dos muitos Noés sobreviventes do dilúvio universal..


Passo a passo, em passadas regulares, com o som do rufar restolhado das botas na areia, no granulado de pedra desfeita , no roçar da rocha, e a pontuação metálica do pico do bordão. com a respiração a sublinhar esforços de subidas lá fui progredindo nos 152 Km. Ao longo de 8 dias.








Segui apoiado num varapau, bastão, cajado, bordão, stick, báculo, pico ou pau...(mas não numa bengala, nem numa vara) .É essencial para assegurar a combinação ternária propulsora com os dois pés, desenhando estes, no chão, os tres pontos do triangulo do equilibrio. Três passos são iguais a uma passada. Vi quem se desempenhava da marcha com dois bastões tipo ski sueco...num andar mais rapido...mas o objectivo nem era a marcha, nem a competição, mas a progressão do caminheiro, do andarilho, do peregrino, do romeiro, certa, pausada e compassada...ou seja ao ritmo de 1 passo, 2 passos, 3 passos e aqui, ferroar o bastão no chão ,pontuando a tripla avançada., alavancando a passada .














E se no chão ficam marcados os três passos, em esquadria triangular, o pico férreo do bastão, penetra na terra ou fere a rocha, depois de descrever um segmento de arco, tal e qual um segmento de um compasso...cruza-se o arco do compasso com o esquadro da passada, e temos um ...esquadro e compasso....ritmado, ritual. A geometria sagrada fica assim evidenciada, naturalmente. Bon Camino...pois.

Nas subidas nunca olhava ao cimo da montanha desencorajadora e desafiante, se o desafio era o caminho, a resposta era progredir, passo seguro, passo atrás de passo, sem parar a meio de subidas, de escarpas ou declives. Só lá do alto. arfante, se olha para trás, a ver o percurso vencido, o avanço ganho, e de olhos no horizonte a busca da meta seguinte. Sozinho comigo mesmo, com os meus medos ou receios, meus anjos e demónios, e com as minhas forças, mágico peregrino solitário, vou-me reconhecendo como parte integrante da Natureza. E por todo o lado, o milagre, a presença do Grande Arquitecto do Universo.

O tempo de peregrinação é o tempo de uma vida, nem sempre em alta, nem sempre em baixa, nem sempre chuva, ou sol, ou granizo. Há ceú azul, céu cinza, céu negro, há até céu branco e luminescente, há arco iris, há fumos no horizonte celeste, há ventos e redemoinhos, há folhas que esvoaçam, há a presença dos espiritos e das almas de gerações, e de gerações, da Humanidade que connosco se renova e renovará.

Santiago é um caminho, não é apenas um destino, a menos que este sejamos nós proprios. Nós, os nossos vivos, os nossos pensamentos, sonhos e pesadelos, ideias,
e ideais, e memórias, dos nossos mortos, dos nossos amigos, presentes, e dos que já se ausentaram...o nosso eu, quota parte do Universo. Todos incensados pelo botafumeiro no transepto da Catedral de Santigo ...durante a missa do peregrino das 12h do dia seguinte ao da chegada. Aleluia...


...Depois, tudo quase se termina quando exibido o nosso certificado de peregrinação com os carimbos (selos) apostos pelo locais visitados, desde igrejas, a albergues, tabernas ou alojamentos, se confirma que os dias passados, correspondem aos km percorridos, no mínimo de 100km, a partir do marco que identifica esta distância (ver foto), e nos é emitida a compostela em latim emitida em nosso nome, atestando a conclusão da peregrinação, em diploma simples mas digno, identico ao reproduzido no início deste texto.

Mas em boa verdade, o fim do Caminho, é o princípio do nosso Caminho, em nova etape, com novo Conhecimento, uma nova ascese, aquirida uma nova consciência do essencial da natureza da nossa existência.

Nota: