Wednesday, June 17, 2009

Conferência na Tertúlia sobre os Solstícios por Felicio Correia


OS SOLSTÍCIOS
Festa de religiosidade ancestral
Felício Correia
(Tertúlia do Bar do Além de 6 de Junho de 2009)

OS SOLSTÍCIOS: Festa de Religiosidade Ancestral
“A Igreja corrompeu as festas: é preciso ser grosseiro para não sentir que a presença de cristãos e de valores cristãos é uma opressão funesta contra tudo o que constitui a atmosfera moral de uma festa.
Uma festa comporta o orgulho, exuberância, alegria, a galhofa contra tudo o que é grave, burguês, uma divina afirmação do si nascida dum sentimento de plenitude e de perfeição animais - estados que um cristão não consegue admitir sinceramente. Toda a festa é pagã na sua essência” - Friedrich Nietzsche

1 - DEFINIÇÃO DE SOLSTÍCIO
De acordo com uma enciclopédia popular, “Em astronomia, solstício é o momento em que o Sol, durante seu movimento aparente na esfera celeste, atinge a maior declinação em latitude, medida a partir da linha do equador. Os solstícios ocorrem duas vezes por ano: em dezembro e em junho. O dia e hora exactos variam de um ano para outro. Quando ocorre no verão significa que a duração do dia é a mais longa do ano. Analogamente, quando ocorre no inverno, significa que a duração da noite é a mais longa do ano. No hemisfério norte o solstício de verão ocorre por volta do dia 21 de junho e o solstício de inverno por volta do dia 21 de dezembro”.
Por outras palavras, o solstício de Verão é o maior dia do ano, dia em que se inicia a tendência decrescente, que culminará no solstício de Inverno, dia mais curto do ano. Em termos etimológicos, a palavra Solstício deriva da palavra latina Solstitium, a qual, por sua vez, é formada por duas outras: Sol (Sol) e stitium (paragem). É como se o Sol, no seu percurso ascendente, tendo atingido a altura máxima, parasse um pouco para iniciar a inversão do sentido da sua marcha. No solstício de inverno tudo se passa como se o ano fosse de novo começar, após uma morte aparente, partindo do mais pequeno dia do ano e crescendo até ao maior dia do ano. Porque o dia é o mais pequeno, é como se o ano fosse ainda bebé, é como que a própria Vida que renasce e se renova...

2 - O DEUS SOL
Bom, temos aqui então um fenómeno astronómico, que se explica cientificamente através de complicados cálculos trigonométricos… porém, não é essa a vertente que quero aqui explorar convosco, mas sim outra, a meu ver mais interessante.
É que, desde a mais remota antiguidade que o Sol tem sido objecto de culto, em homens e mulheres de várias latitudes, do Antigo Egipto à Europa Hiperbórea, da clássica Grécia à América Latina dos impérios azteca (de Moctezuma II), maia e inca (de Atahualpa), da Roma imperial aos povos pagãos da Europa Central, dos Celtas aos Vikings.
Vejamos alguns exemplos:

(durante o almoço debate)



2.1 – No Antigo Egipto
Recordemos um pouco da mitologia do Antigo Egipto: de acordo com o mito elaborado pelos sacerdotes da cidade, no princípio existia apenas as águas de Nun, das quais emergiu a colina primordial. Nesta colina encontrava-se um deus que se tinha gerado a si próprio, Aton. Este deus deu origem a outras divindades, Chu (o ar) e Tefnut (a humidade). Esta casal procriará e dele surgem Geb (a terra) e Nut (o céu). Estes últimos geram quatro filhos: Osíris, Ísis, Set e Néftis.
No Antigo Egipto (mesmo nos primórdios, conhecidos como Império Antigo, que se estendeu até –2300) a cidade mais importante era Iunu (mais tarde chamada Iunu-Ré – em homenagem ao deus Ré (ou Rá), e que a Bíblia designa por On ou Un), a que os gregos mais tarde chamaram Heliópolis, em função da preponderância que tinha ali o deus Rá, divindade solar principal do conjunto de nove deuses (Eneáde) que governavam espiritualmente a cidade.
Por sua vez, Hermópolis (nome grego dado à cidade de Khemenu), era governada espiritualmente por um conjunto de oito deuses (Ogdóade), do qual sobressaía Amon, “o oculto”. Este deus ganhou grande importância ao longo de Império Antigo, chegando-se a associá-lo a Rá (ou Ré): Amon-Rá. Uma nota curiosa: este deus tinha um secretário chamado Thot, verdadeiro poço de sabedoria, que dominava o oculto, a escrita, a aprendizagem, a magia, etc, e que se é representado por um escriba com a cabeça oculta sob a forma de uma Íbis, ave do tipo do flamingo. Os gregos identificaram-no com o seu Hermes Trismegisto, daí tendo chamado Hermópolis à cidade).
Este Amon, deus do oculto, do saber escondido, uma vez associado a Rá, deus solar, cresceu em preponderância durante mais de mil anos, suplantando o próprio Aton, o tal deus primordial que se criou a si próprio. Até Amen-hotep IV, faraó do Egipto da XVIII dinastia (1350-1334 aC), (que foi chamado Amenófis IV pelos gregos)
Tendo identificado o Sol com o poder do antigo deus Aton, como fonte de toda a vida, Amen-hotep (cujo nome significava “Amon está satisfeito”) mudou o seu nome para Akhenaton (significando “o espírito actuante de Aton”). (Ruptura gnoseológica importante). Akhenaton e a sua esposa Nefertiti, (famosa pela sua esplendorosa beleza, documentada em diversas pinturas da época) ficaram conhecidos como o “Casal Solar”. Akhenaton instituiu essa nova religião adoradora do Sol enquanto única força criadora e geradora de vida, o grande arquitecto de todas as coisas vivas. Em largos espectros da Intelligenzia é considerado como tendo sido o primeiro a proclamar a existência de um único deus, ao invés da religiosidade vigente durante toda a Antiguidade, manifestamente politeista. Apenas oito séculos mais tarde viriam os Hebreus a proclamar a existência de um Deus único, criador do Céu e da Terra. Akhenaton teve seis filhas com a rainha Nefertiti e dois filhos com Kiya, a outra esposa real. Ao filho mais velho deu o nome de Smekhkare, e ao mais novo, nascido após a sua conversão a esta nova divindade, chamou Tutankh-Aton (“a imagem viva de Aton”). Como se sabe, ao subir ao trono, e não suportando muito mais as pressões exercidas pelos Sacerdotes do Egipto, Tutankh-Aton mudou o seu nome para TutankhAmon e encarregou-se de dissipar todos os vestígios dessa nova religião monoteísta.



(outro aspecto do almoço debate)



2.2 – Na América Latina
São menos conhecidos os aspectos teográficos (ou hagiográficos) daqueles povos, porém uma constante os acompanhou a todos, desde os antiquíssimos Olmecas, aos posteriores Toltecas, mais tarde os Aztecas, os Incas, os Maias e os vários outros autóctones de relevância civilizacional mais diminuta: essa constante foi o culto solar, a adoração do Sol como a divindade máxima, que tornava possível a vida na terra. Conhecem-se as manifestações da espiritualidade desses povos, pelos testemunhos que nos deixaram:
Incas: O Templo do Sol do Lago Titicaca; também o Templo do Sol, em Cusco, Peru uma curiosidade quanto a este último: em 1950, um grande terramoto destruiu uma construção de padres dominicanos e expôs o Templo do Sol, de construção inca, mandado construir pelo imperador Pachacuti);
Aztecas: politeístas, os seus principais deuses estavam ligados ao ciclo solar e às colheitas. O disco e a roda representam o sol, e a serpente emplumada Quetzalcóatl representa as energias telúricas que ascendem. (Os maias retomaram Quetzalcóatl como Kukulcán). Os aztecas deixaram-nos vários vestígios de templos solares, nomeadamente em Tenochtitlán, actual cidade do México.
Maias: Chichén Itzá, Palenque, Tikal, etc, templos solares, alguns em forma de pirâmides. Os Maias foram um povo de excepcional nível de conhecimentos astronómicos, conhecendo perfeitamente os ciclos solares, lunares e de Vénus.


2.3 – Nas Mitologias Clássicas (grega e romana)
As complexas teogonias da Antiguidade Clássica Europeia (Grega e Romana) assemelham-se um tanto em termos do culto e da natureza dos respectivos deuses. Os romanos não eram tão dados à criatividade e especulação como os gregos, e acabaram mesmo por incorporar alguns dos deuses dos territórios que conquistavam.
Porém, em ambas as civilizações vemos lugar de destaque para um deus que representava o Sol, a Luz e a beleza masculina: Apolo na mitologia grega e Febo na romana. Igualmente identificamos um deus responsável pelo fogo criador: Hefesto para os gregos, Vulcano para os romanos. Havia uma deusa simbolizando o fogo eterno, e em ambos os casos este se fazia equivaler à família e ao lar, (lararium=atrium da casa, onde ardia uma lareira=lar): era Héstia para os gregos e Vesta para os romanos. Eram responsáveis por manter um fogo sempre aceso, equivalendo-se, no lar de cada um, à força da vida continuada que, no universo intemporal, era representada pelo Sol. Começamos a ver esta ligação muito forte entre o Sol e o Fogo, para a prossecução da vida, pelos finais do séc. III aC, quando o reinado pujante dos deuses começa, para algumas pessoas, a dar lugar à procura de religiões orientais de índole iniciática, ainda que misturada com aspectos mitológicos no início.
De resto, a intromissão de Alexandre o Grande por terras da Índia antiga promoveu a interpenetração de costumes, e para a antiga Grécia foi importada a divindade hindu (védica) Agni, que significava simultaneamente o Sol, a Luz e o Fogo, e que os romanos latinizaram como Ignis. Sendo simultaneamente o deus mensageiro de todos os outros deuses, todos os sacrifícios eram feitos em sua intenção, que ele depois os distribuia pelos restantes deuses conforme mais apropriado. Esta concepção antiquíssima de um deus mensageiro (sempre o da Luz, o do Sol) está também presente nas práticas sacrificiais que em todas as latitudes eram, quase sem excepção, feitas em honra do Sol.


2.4 – Nos Povos Hiperbóreos (Paganismo)
Os povos do Norte da Europa desde tempos imemoriais têm uma espiritualidade intrinsecamente ligada à natureza, à vida do campo e às suas manifestações. Como divindades, adoravam o Sol, a Lua e a Terra, os ventos e o fogo, enfim, toda a força maior que possa ter influência sobre a sua vida quotidiana. A esse tipo de espiritualidade ou religiosidade directamente ligada ao campo chamou-se Paganismo (Pagan = habitante do pagus, o país. Pagan = paysan = paisagem; pays). Consequentemente, Paganismo não é, como chegou a ser veiculado pela Igreja, sinónimo de bruxaria ou de alguma doutrina adoradora dos demónios. Na justa medida em que se trata de uma atitude de reverência perante a natureza e as forças que a movem, podemos dizer que se trata da expressão religiosa mais antiga que se conhece e, nessa acepção, pode englobar toda a espiritualidade ancestral, anterior ao Cristianismo, ao Islamismo ou a qualquer outra religião monoteísta. Até mesmo as civilizações clássicas, grega e romana, como vimos, tinham um conjunto de divindades que superintendiam sobre os assuntos da terra e das colheitas.
Os antigos habitantes do norte da Europa, eram povos profundamente ligados à espiritualidade pagã, ou seja, da natureza, nomeadamente os celtas, bem como os antigos habitantes da Pomerânia, Lapónia, Jutlândia, conjunto de regiões, hoje pertencentes a vários países, mas que tiveram origens e povos comuns, independentemente das fronteiras que a força das armas historicamente foi instituindo.
Com a investida de Carlos Magno no final do séc VIII e princípio do séc. IX, foram caindo sob a força da espada e foram sendo coercivamente convertidos os povos mais convictamente pagãos, tais como os Lombardos (sob Desidério, duque da Toscânia) e os Saxões (sob Widukind, duque da Saxónia (Westfália)) a que se seguiram os bretões e quase todos os restantes povos da Europa. Mas uma conversão forçada, cuja alternativa é a morte (recordemos o Massacre de Verden, em que foram degolados 4.500 líderes saxões até que Widukind concordasse em converter-se) e outra coisa é uma convicção profunda, que vem da origem dos tempos e está completamente arreigada nos povos. Assim, os povos continuaram a honrar as suas tradições e a praticar os festejos tradicionais em honra das suas divindades, só que estas foram sendo camufladas de folclore até que a Igreja as “cristianizou” sob outras roupagens ou pretextos.
Stonehenge
Restam actualmente as ruínas de um templo de adoração solar, no condado de Wiltshire, perto de Salisbury, (51º10’44.11” N; 1º49’34.79” W), o conhecidíssimo Stonehenge, construído por povos primitivos pré-celtas, cerca de 300 anos antes das Grandes Pirâmides do Egipto terem sido erigidas. Este templo é da idade da pedra, antes da invenção da escrita, e antes que a invenção da roda tivesse chegado àquelas paragens. Sobre Stonehenge já muito tem sido dito, mas ainda assim vale a pena referir três ou quatro aspectos fundamentais: No dia do solstício de verão, o Sol ao nascer enquadra-se rigorosamente entre os dois pilares verticais do trílito central (virado a Oriente), vai subindo sempre enquadrado por essas duas colunas e, chegando ao cimo, onde se encontra uma pedra redonda (certamente simbolizando o próprio Sol), a sua sombra é projectada directamente para o centro da “pedra do altar”, a única pedra horizontal directamente assente no chão.
O arqueólogo inglês Parker Pearson, que estuda o fenómeno Stonehenge há vários anos, concluiu em 2007 uma coisa espantosa: Stonehenge era apenas metade de um vasto monumento regilioso, de culto solar: a dois quilómetros e meio de Stonehenge há vestígios de ter havido um outro templo em tudo igual a este, mas feito de madeira, chamado Durrington Walls, mais frequentemente conhecido por Woodhenge. Este templo de madeira é a cópia rigorosa de Stonehenge, e está igualmente alinhado com o Sol, mas virado a ocidente, de forma a que, quando o Sol se põe no dia do solstício de verão desce igualmente enquadrado pelas respectivas colunas, até desaparecer no solo. É como se, ao morrer, o Sol fecundasse a Mãe-Terra para renascer de novo. Como veremos, este facto astronómico tem toda uma simbologia mistérica associada.
Investigações aturadas levaram este arqueólogo a concluir (no que foi apoiado pela Royal Society, espécie de Academia das Ciências) que a antiga celebração do solstício de Verão começava em Stonehenge, com a homenagem ao Sol nascente e depois as pessoas caminhavam até ao rio Haven e dali até Durrington Walls, onde continuava a festa mundana, com comidas, bebidas, danças e rituais de acasalamento. A festa do sol no seu máximo esplendor tinha, no seu aspecto simbólico, correspondência com a pujança da vida. Porém, esta vida é transitória, o corpo é perecível, tal como a madeira, pelo que a festa da vida mundana prosseguia junto ao templo de madeira. Inversamente, no solstício de inverno o ritual começa em Woodhenge pouco antes do pôr do sol, terminando em Stonehenge com a morte do Sol. O templo de pedra simbolizando a morte como algo de definitivo, por contraposição ao templo de madeira, que simbolizava a vida terrena, transitória, perecível. Daí que aqueles bretões primitivos enterrassem os seus mortos junto a Stonehenge, o que durante muitos anos levou a que se pensasse em Stonehenge apenas como um monumento funerário.
Porém, o Sol como divindade ou força criadora tem características únicas, nascendo e morrendo em cada dia, para voltar a nascer no dia seguinte. Este espírito de Princípio e de Fim existe não apenas no decurso de um dia, mas igualmente no decurso de um ano, associado ao fenómeno dos Solstícios.

Numa análise dialéctica diríamos hoje, que cada fim de ciclo solar encerra em si, concomitantemente, o início de um novo ciclo, como se Fim e Princípio coexistissem na mesma entidade. Na mitologia romana, esse fenómeno dialéctico de coexistência estava personalizado na imagem de uma divindade, Janus Bifronte, o deus das duas caras, igualmente tido como o deus das iniciações até aos nossos dias, através das sociedades secretas de índole iniciática (dado que uma Iniciação encerra em si mesma exactamente isso: uma morte simbólica da pessoa que se era, e o nascimento simbólico (iniciação) de uma nova pessoa. Aqui vemos reproduzidos os conceitos dialécticos de Fim e Princípio, num mesmo momento místico.


Este Janus Bifronte, de cujo nome deriva o nome de João (Janus => Johanes => João) foi depois aproveitado pela Igreja para os dois S.João: não é por acaso que os dois solstícios estão, para a Igreja, associados aos dois S. João: S.João Baptista no solstício de verão e S.João Evangelista no solstício de inverno.

Janus, o deus das portas e passagens e também das iniciações. O seu principal templo no Forum romano tinha duas portas, uma virada a oriente e outra virada a ocidente, para o início e o fim do dia. No meio de ambas, a sua estátua, com duas faces, olhando em direcções opostas. De acordo com a mitologia romana, a oração de cada manhã era-lhe dirigida e antes do início de cada tarefa a sua assistência era evocada. Enquanto deus das iniciações, era publicamente invocado no primeiro dia de Janeiro. De resto, o próprio mês lhe deve o seu nome: Janeiro=Januarium, mês de Janus, mês do início do ano. Janus era igualmente invocado no início de cada guerra, durante a qual as portas do seu templo ficavam abertas. Janus possuía as chaves dos mistérios ligados à iniciação, e essas chaves fazem parte integrante da simbologia da sua imagem.

Janus presidia às fases ascendente e descendente do ciclo anual, e era considerado como o “porteiro”, que com as suas duas chaves, uma de prata e outra de ouro, abria e fechava as épocas. Por isso mesmo era denominado também como o “Senhor do Tempo”. Essas são as chaves dos mistérios da Iniciação. As duas chaves estavam relacionadas com os dois rostos que possuía: um deles olhava para a esquerda e estava relacionado com o passado, com o que fomos e, como tal, condiciona inevitavelmente o nosso presente. Ao rosto da esquerda atribuia-se a chave de prata, chave que abria a porta de acesso aos mistérios ligados com a primeira fase da iniciação, em que o recipiendário tem que tomar consciência de si próprio, esforço que necessariamente implica a regeneração total da psique ou da alma, elevando-a a um plano superior que por sua natureza lhe pertence. Por sua vez, a chave de ouro estava na posse do rosto que olha a direita e o futuro. Poderíamos dizer que o futuro se relaciona simbolicamente com o mundo celeste e uraniano (Solar) e cujos mistérios estão ligados com a segunda fase da iniciação.
Como já referimos, na Idade Média Janus foi reabsorvido na forma cristianizada de São João Baptista e São João Evangelista, dos quais se diz representarem as duas modalidades ou aspectos de um só e mesmo ser.

São João Baptista – o Precursor – anunciou a Luz e a Palavra de Cristo. Está ligado à fase do apogeu de Cristo, quando este se encontra rodeado por fiéis, antes do episódio do Jardim de Getsémani. Na religião cristã a sua invocação coincide com o solstício de Verão e festeja-se em 24 de Junho. Na astronomia encontra-se ligado ao ponto zénite da luz solar do ciclo natural anual.
Por sua vez, São João Evangelista está ligado ao decair da vida terrena de Jesus, foi contemporâneo da sua morte física, porém assumiu a continuidade dessa Luz e da Sua Palavra, através da escritura do Evangelho. Na religião cristã a sua invocação coincide com o solstício de Inverno e festeja-se em 27 de Dezembro. Na astronomia encontra-se ligado ao ponto nadir da luz solar do ciclo natural anual.De resto, S.João Baptista e S.João Evangelista são como que “padroeiros” de várias sociedades iniciáticas, tais como a Maçonaria, e a Fraternidade Rosacruz.


3 – O SOLSTÍCIO DE INVERNO
O costume da festa religiosa em finais de Dezembro tem, como já vimos, origens remotas; a Igreja de Roma apenas fez coincidir o nascimento de Jesus em 25 de Dezembro para, de certo modo, sacralizar os festejos pagãos pré-existentes, reformando toda a manifestação da Sabedoria contida nos Antigos Mistérios do ocidente e do norte da Europa, dos greco-romanos e dos orientais. A tradição do Natal, por conseguinte, não é propriedade exclusiva dos Cristãos, com a representação da Natividade do Menino Jesus, com o nascimento de um Menino-rei de uma Virgem. Já os antigos Druídas celtas celebravam o 25 de Dezembro com iluminações. Mitra, avatar oriundo da antiga Pérsia e adorado em todo o oriente e até mesmo em Roma, nascia de uma Virgem neste mesmo dia, assim como Horus, uma das figuras da antiga Trindade Egípcia. Igualmente entre os gregos nascia Baco e, entre os fenícios, Adonis; na Índia temos também o exemplo de Agni... Todos eles com o significado da representação ou manifestação do Deus-Sol entre a Humanidade. Todos eles personificações do ancestral Mito Solar Cósmico – que considerava o Sol como a Fonte inesgotável de toda a existência e o Símbolo, por excelência, do Ser Divino e origem de toda a Criação, o Logos, a manifestação física do Verbo Inefável e Eterno – todos eles festejavam o (re)nascimento do Astro após os longos meses de invernia. Era a vitória da Luz sobre as Trevas, era o nascimento do neófito para a luz, e foi exactamente no solstício de inverno que a Igreja Cristã fixou o nascimento do Restaurador das Religiões... Ciente desta simbologia de nascimento associada ao solstício de inverno e ao próprio dia 25 de Dezembro, o grande Carlos Magno fez questão de ser coroado imperador no dia 25 de Dezembro do ano 800.

No nosso país, até há pouco tempo ainda se acendiam madeiros nos adros das igrejas, resquício final do que foi uma festa de culto do Deus Solar. Mas são tempos passados, resisitindo esporadicamente, tão só uma ou outra reminiscência destes actos verdadeiramente comunitários, pois a lenha ou madeiro era transportada para o local do sacrifício por todos os vizinhos. Veja-se na lareira comunitária o mesmo princípio que presidia à lareira doméstica (lararium = lar), que já era celebrada entre os antigos gregos e romanos (deusas Héstia e Vesta, respectivamente, em que ambas eram a divindade que presidia à harmonia familiar.). Os próprios romanos antes de Cristo nascer já celebravam o “Natalis Invictis”, ou seja, o nascimento do invicto, o nascimento do Sol eterno.

Não, o Natal não é, seguramente, uma festa eminentemente cristã, ou sequer cristã na sua origem.
Na obra poética “Kalevala”, canto heróico finlandês, canta-se uma cerimónia em tudo similar ao conceito cristão do Natal: “Ukko, o Grande Espírito, cuja moradia é em Yûmala (o Céu ou Paraíso), escolhe como veículo a Virgem Mariatta para se encarnar por meio dela em Homem-Deus. Ela concebe, colhendo e comendo uma baga vermelha (marja). Repudiada pelos pais, dá nascimento a um “Filho Imortal” numa manjedoura de um estábulo.”

De facto, a Igreja não celebrava o nascimento de Jesus, até porque a data do seu nascimento não era conhecida. Avançavam-se datas como 8 de Janeiro, 12 de Março e outras tantas. Apenas no ano de 336 se celebrou o Natal pela primeira vez. Valeram os esforços, primeiro, do papa S.Silvestre, e depois do papa Júlio I para convencer as várias representações da Igreja da conveniência de estabelecer o nascimento de Jesus em 25 de Dezembro e aproveitar assim essa data, imensamente celebrada por todos, para assinalar o nascimento de Jesus. Não esqueçamos que nessa altura a Igreja andava em grandes guerras com a facção cristã-ariana. O Papa S.Silvestre acabaria por morrer em 335, já não vendo a primeira celebração do Natal, que ocorreu no ano seguinte.

Vejamos outras especificidades do Solstício de Inverno, transvestido em celebração de natal:
A árvore de Natal – Quando os primeiros cristãos chegaram ao norte da Europa, descobriram que os seus habitantes celebravam, em 25 de Dezembro, o nascimento de Frey, deus do Sol e da fertilidade, adornando uma árvore de verde perene. Esta árvore simbolizava a árvore do Universo, chamado Yggdrasil, em cujo cimo estaria Asgard (a morada dos deuses) o Valhalla (palácio de Odin, o deus dos deuses e principal divindade dos vikings) e em cujas raízes estaria o Helheim (o reino dos mortos). Daí que se colocasse no cimo da árvore uma qualquer figura em forma de disco solar ou de estrela, simbolizando a devoção a Odin. Essa árvore seria preferencialmente uma acácia jovem, um abeto ou um pinheiro, cuja verdura perene durasse todo o período dos festejos, isto é, cerca de 30 dias, desde 6 de Dezembro até 6 de Janeiro, com ponto alto por volta do solstício de inverno.

Com a evangelização desses povos, o costume da árvore foi proibido, tendo-se mantido na clandestinidade cerca de 800 anos depois, sendo autorizada já por volta de 1600. Essa árvore estava enfeitada com pequenas bolas, simbolizando o sol, e com velas ou outras fontes de Luz. Conta a lenda que S.Bonifácio, evangelizador da Alemanha e que viveu entre 680 e 754, talvez por achar que o costume estava muito enraizado, tentou substituir os objectos por maçãs (simbolizando o pecado original) e dar às velas o significado de Jesus Cristo como luz do mundo.
Noutras culturas, dos incas aos árabes pré-islâmicos, dos hindus aos bantus da África do Sul, do Budismo ao Bramanismo, sempre é a Acácia a árvore escolhida, árvore de culto também chamada “Sempre-Verde”, a qual simboliza a vida que não se apaga com o solstício de inverno e que transporta essa vida para a entregar ao Sol, quando este renascer após a noite mais longa.

A coroa do Advento – Para simbolizar o tempo do Advento, um costume que vem dos países escandinavos e que parece uma herança incontestável da época pagã tende, cada vez mais, a espalhar-se pela Europa e pelos Estados Unidos: trata-se da Coroa do Advento. Actualmente consiste no hábito de as pessoas colocarem à porta das suas casas uma coroa circular de abeto ou outra vegetação sempre-verde. Os antigos Pagãos confeccionavam-na 4 semanas antes do Solstício de Inverno, e dependuravam-na do tecto de suas casas ou, preferencialmente, colocavam-na no centro da sala principal (por vezes a única) das suas habitações. Decoravam-na com 4 velas. Depois ia-se acendendo uma vela em cada semana quando o sol estivesse no auge, de forma a que, no dia do Solstício, as 4 velas estivessem acesas. Após o solstício, a coroa era queimada em honra do novo Sol que acabava de nascer.

Note-se que nos países nórdicos (Dinamarca, Escandinávia e toda a zona da Lapónia) a divindade solar chama-se Jul (donde derivou o nome latino Julius, que viria a dar o mês Julho) e nessas línguas a árvore de natal é conhecida como árvore de Jul. Também em inglês pode-se dizer Christmas Tree ou Yule-Tree, embora esta forma esteja a cair em desuso.

O Pai-Natal – Para a celebração da lareira comunitária já acima aludida, nos países nórdicos era por vezes conveniente andar uma pessoa com um carrinho ou um trenó, para ajudar as pessoas que levassem lenha para a lareira societária. Cada um levaria de presente para essa lareira o que pudesse, sendo também possível que se obsequiassem os filhos dos familiares e dos amigos mais próximos com uma guloseima. Esse trenó seria puxado por renas, abundantes naquelas paragens. Para desencorajar estes hábitos absolutamente pagãos, no início do séc. XVI Martinho Lutero começou a promover uma figura alternativa, chamada Christkind (que não é mais do que a tradução de Menino Jesus), para ter o mesmo papel dessa figura. (Aliás, nos EUA chama-se Santa Claus ou Kris Kringle ao Pai-Natal). Este Christkind seria alado, e deslocar-se-ia pelo céu, voando, em vez de se deslocar através do trenó.

Em alguns países da Europa essa iniciative teve sucesso (Alemanha, Áustria, Itália...), mas por volta de 1800 todos tinham retomado a anterior figura de uma pessoa adulta. Entretanto a Igreja começou a tolerá-la, dado que ela estava agora a surgir no papel de S.Nicolau. (Note-se que S.Nicolau viveu entre 270 e 346. Foi bispo de Myra, actual Turquia. Para ajudar os mais necessitados sem que se soubesse que era ele, aproveitava o facto de eles se descalçarem para rezar, e colocava-lhe uma moeda no sapato).

Entretanto, o que é que temos actualmente? Um Pai-Natal que de alguma forma se assemelha a S.Nicolau, que usa roupa de protecção ao clima nórdico, que é oriundo da Lapónia e que se desloca (pelo céu, é certo), mas num trenó puxado com renas. É a mistura completa. A propósito, já vimos acima que as festas pagãs do Solstício de Inverno duravam um mês: de 6 de Dezembro a 6 de Janeiro. Por acaso, o dia 6 de Dezembro é dia de S.Nicolau e o dia 6 de Janeiro é Dia de Reis. (Já veremos mais adiante).

Claro que a figura do Pai-Natal ganhou um impulso considerável quando o marketing americano se meteu no assunto: a empresa White Rock Beverages Corporation, de Whitestone, NY, estabelecida em 1871, lançou em 1915 um anúncio com o Pai-Natal para promover a sua água mineral, a propósito de ser tão fresca como a que nasce directamente nas fontes da Lapónia. Como o esquema pareceu funcionar e a empresa passou a vender mais, na década de 1930 a Coca-Cola apostou em força na sua imagem de marca através de um Pai-Natal com a configuração que lhe conhecemos hoje, dado que as suas roupas até são o vermelho e o branco, tal como as da Coca-Cola. Actualmente, é triste reconhecer que o dinheiro vale mais que a tradição, e em Demre, na Turquia, cidade-natal de S.Nicolau, o bispo de Myra, uma estátua do santo foi retirada para um canto sem importância à entrada de uma igreja, enquanto a praça principal de Demre ostenta uma estátua do Pai-Natal exactamente como é promovido pelos anúncios comerciais. Até já nem lhe chamam S.Nicolau, chamam-lhe Noel-Baba.

O Dia de Reis – Sabemos o que a Igreja diz acerca do dia de Reis: que, passados alguns dias sobre o nascimento de Jesus, os tais três reis Magos (Gaspar, Belchior e Baltasar) visitaram o menino e levaram-lhe presentes (ouro, incenso e mirra). Bom, na verdade, esta visita dos homens do oriente apenas é referida no Evangelho de Mateus (Mt.2,1) e não se refere nem o seu nome, nem que eram reis, nem sequer que eram três. Em Mateus 2,11 apenas se diz que toruxeram aqueles 3 presentes, não se diz que eram 3 pessoas. Só no séc. VI é que começou a ser avançada esta teoria, através de uns manuscritos anónimos que então foram produzidos. Aliás, parece que não poderia mesmo tratar-se de reis, posto que foram chamados à presença do rei Herodes, que lhes ordenou que fossem adorar o Menino e depois lhe dissessem onde é que ele estava. (Mt 2,7-9). Parece que a questão de serem reis é um aproveitamento do simbolismo da coroa do Advento, a qual, como sabemos, não representa exactamente uma coroa real, mas sim o disco solar.

Parece então que se trata de mais um aproveitamento de uma tradição pré-existente. De facto, os povos pagãos do norte da Europa, ainda muito antes do nascimento de Cristo, observavam a chamada “Grande Pausa Criadora”, ou seja, doze dias de reflexão e recolhimento familiar a seguir ao Solstício de Natal, como para ajudar o novo Sol (consequentemente o novo ano que começava). Esses doze dias eram um por cada signo do zodíaco (um por cada mês que o novo ano iria enfrentar).

Após esses 12 dias, considerava-se que o ano era já suficientemente forte para dispensar mais recolhimento. Então havia grande festa, juntavam-se os familiares e os amigos e fazia-se uma grande refeição comunitária. Cantava-se a altas vozes e, se houvesse alguém que faltasse à festa, ia um grupo cantar-lhe à porta até que ele viesse para a folia. (Vidé os ainda remanescentes “cantares das Janeiras”). Nessa festa, tudo era permitido, sendo até mesmo designado um “rei”, que iria “reinar” até ao próximo ano, velando pelo bom cumprimento das festas dos Soltícios.

A única coisa que se exigia era que esse “rei” fosse fruto do acaso. Por isso, antes de cortar cada nova fatia do bolo comunitário (que tinha e ainda tem a forma de um disco solar), uma criança designaria a quem essa fatia se destinaria. Mas era um rei “a feijões”, um rei que não era um rei a sério. Esse rei seria aquele em cuja fatia de bolo estivesse um grande feijão, o qual não poderia passar despercebido. Em alternativa, poderia ser usada uma fava seca. Na Normandia ainda é uso actual perguntar-se à criança que vai designar o próximo destinatário da fatia de bolo: “Phoebé Dominé, à qui va?”. Etnólogos recentes concordaram que se trata da antiga fórmula de designação de “Senhor Febo” (deus do Sol).

Outra reminiscência deste culto pagão consiste numa alternativa ao bolo-rei: enquanto o bolo-rei se destinava apenas a familiares e amigos muito chegados, com os quais se compartilhasse a mesa, havia uma outra versão para a vizinhança, especialmente para os pobres: consistia em meter vários alimentos (bolos, doces, carne seca e outros acepipes) num grande recipiente em forma de esfera gigante, dotado de várias pequenas portas ligadas a um cordel. Essa esfera seria dependurada, ficando os cordeis pendidos. Enquanto as pessoas cantavam e dançavam, ia cada um à vez puxar o cordel e abrir a porta respectiva, daí recebendo o que lhe coubesse em sorte.

Como sabemos esse costume ainda existe em muitos países, nomeadamente em Portugal. Há imensas localidades do interior que fazem o “Baile da Pinhata”, em tudo semelhante a esta prática ancestral. Outro costume daí decorrente é o do “Amigo Escondido”, etc. O festejo dos Reis é, em muitos países, muito mais importante que o próprio Natal, sendo aqui que se dão os presentes, e não no Natal (Espanha, por exemplo).

4 – O SOLSTÍCIO DE VERÃO
Já vimos que Stonehenge (e a sua correlativa Durrington Walls, vulgo Woodhenge) celebrava ambos os Solstícios. Vimos também que, enquanto o Solstício de Inverno simboliza a festa da família, das crianças, o recolhimento e um voto de ânimo ao novo ano que vai nascer, o Solstício de Verão é a festa do Sol na sua pujança máxima. É uma festa em tudo portadora de vigor, força, pujança. É o momento da juventude, dos homens e mulheres em idade reprodutora. O deus Sol, na sua máxima força, vai certamente garantir boa fertilidade tanto aos campos como às pessoas, às famílias. Já há 5.500 anos que na Suméria se praticava o acto sexual ritual, designado mais tarde pelos gregos por “Hieros Gamos”, ou seja, acasalamento sagrado. Nos povos pagãos pré-cristãos, não havia tabus na prática do acto sexual em público, se fosse inserido numa cerimónia com a dignidade do Solstício de Verão. Fertilidade pressupõe a existência de sexo, logo, não havia qualquer mal nesse acto.

Sendo a noite do Solstício de Verão a mais pequena do ano, todas as pessoas com excepção dos idosos e das crianças (e dos doentes) faziam a chamada Velada, isto é, ninguém dormia nessa noite. Era verdadeiramente a festa da juventude, dos homens e mulheres em plena força da vida. As danças eram constantes, apenas interrompidas para comer, beber ou acasalar. Claro que, em eras posteriores, esta era a altura do ano em que os namorados aproveitavam para casar, sendo a cerimónia celebrada logo ao nascer do sol, para que eles ficassem livres para acasalar o quanto quisessem sem ferir a moral da comunidade. Sendo a festa da fertilidade, era a festa da Mulher, e todo o mês em que ocorre (Junho) era dedicada à esposa de Júpiter, rei dos deuses: era dedicada a Juno.

Claro que os evangelizadores cristãos trataram logo de proibir tudo quanto lhes pudesse remotamente lembrar esta alegria, sobretudo quando trazia cantigas brejeiras e rituais de enamoramento e de acasalamento. Durante um negro período dentro da chamada “Idade das Trevas”, isso foi mais ou menos conseguido, porém, por pouco tempo. Ainda em plena Idade Média os hábitos estavam de novo quase completamente restaurados. A Igreja então fez o que costumava fazer: “cristianizou” a festa, através de S.João Baptista. Em alguns países, todo o mês é ainda dedicado a essas celebrações absolutamente profanas, que se designam por Santos Populares.

Várias são as reminiscências que nos chegaram desse clima namoradeiro, brejeiro, juvenil, associado aos festejos do Solstício de Verão, ocorrendo um pouco por toda a parte durante esse mês: vejam-se as seguintes:

As Fogueiras – Quem não se lembra de saltar as fogueiras de S.João? Até podem ser de Santo António ou de S.Pedro, consoante os usos das respectivas freguesias, mas o culto do fogo lá está, completo. A fogueira (lareira = lararium = lar) enquanto simbologia do lar e simultaneamente tributo ao Sol que, nesta altura do ano, certamente providenciará uma boa constituição de família. O alecrim que se põe nas fogueiras é o que resta do abeto nórdico, ou da rama de pinheiro, porque a acácia vai escasseando.


Danças Populares – reminiscências das danças rituais que levariam ao acasalamento, são Marchas de Santo António em Lisboa, mas têm ou já tiveram correspondência em vários outros dias e noutras localidades, conforme o feriado municipal correspondente. Essas marchas são caracterizadas por serem tudo menos santas, embora aparentemente se destinem a um santo. Os pedidos feitos ao santo consistem em acasalamento nem sequer muito disfarçado: “Ó meu santo Antoninho, arranja-me um namorado... “ etc. O coitado do Santo António (que era português, como se sabe), ficou conhecido como “santo casamenteiro”, mas nada na vida do santo levaria a supor que ele iria ganhar esse epíteto. A sua acção missionária não podia estar mais longe dessas temáticas.

Os bailes de rua nos bairros populares e pelas aldeias dos vários países tradicionais são outra versão da mesma reminiscência. Há alguns anos ainda se usava o chamado “baile do mastro”, em que pontificava um grande mastro ao meio da praça onde a dança ritual iria ter lugar (porque se trata, efectivamente, de um ritual, não o esqueçamos!). À volta desse mastro dançavam rapazes e raparigas, cada um segurando uma fita de pano, a qual se ia enrolando no mastro, consequentemente ficando cada vez mais pequena. Quando já não desse para mais uma volta, os casais que estivessem mais próximos constituiriam os “Pares de S.João”. Actualmente sem qualquer consequência adicional, este costume ancestral deixa entrever que se trataria de mais um aspecto do ritual de acasalamento.

Noivas de Santo António – São de Santo António em Lisboa, mas podem ser de S.João ou de outro santo, dependendo das localidades. Efectivamente, é ainda o mesmo clima, absolutamente nada santo, clima de constituição de família, de apelo à fertilidade e à propagação da espécie. É a festa das gentes, enquanto gente. É a festa das pessoas que, libertas de peias impostas por uma qualquer religião que não o compreende, dão largas ao que há de mais natural e dentro de cada um de nós, exactamente na medida em que, sendo animal, é um impulso ditado pela “anima”, pela alma, por tudo o que nos impele a prosseguir o caminho da Vida. E do Amor.

Lisboa, 6 Junho de 2009

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